Wednesday, June 30, 2004

Analfabetismo filosófico

Tinha a seguinte hipótese: será que alunos do curso de administração sabem a diferença entre ser e dever ser? Perguntei-lhes então: o que é uma empresa? Eis os termos e expressões mais usados nas respostas:

Local / Atividade / Competência / Habilidade / Conhecimento / Posição hierárquica / Remuneração / Status / Concorrência / Mercadorias / Serviços / Organização / Cliente / Recursos (materiais, financeiros, humanos) / Evolução / Lucro / Sistema / Desrespeito / Deslealdade / Mercado / Especialização / Reunião de pessoas / Objetivo / Eficácia / Patrões e empregados / Injustiça / Instituição / Função / Negócio / Desenvolvimento profissional / Redução de custos / Redução de funcionários / Automatização / Produção / Acidentes de trabalho / Imagem / Compra e venda / Sociedade / Comunidade / Má fé / Normas e procedimentos / Pressão psicológica / Manipulação / Desinteresse e conflitos internos / Missão / Cargo / Expectativa / Sucesso / Fornecedor e consumidor / Respeito aos direitos humanos.

Em seguida, lancei-lhes a segunda pergunta: o que deve ser uma empresa? Eis os termos e expressões mais recorrentes:

Organização / Instituição / Bons serviços e bens à sociedade / Recursos financeiros / Oportunidade de trabalho / Não deve se preocupar apenas com o lucro / Satisfação plena dos clientes internos e externos / Solidificação de uma sociedade mais justa e progressista, afin de obter os lucros esperados / Boa imagem / Aperfeiçoamento / Informação / Diferencial competitivo / Observar as tendências do mercado financeiro / Preocupação com os clientes / Cooperativas / Entusiasmo / Autogestão / Produtividade / Relacionar-se bem para obter lucros / Despertar respeito e confiança para manter-se no mercado / Grupo de pessoas em busca de um objetivo / Conhecimentos e habilidades para o bom funcionamento / Dinâmica / Visar o lucro sem deixar de lado o social / Ambiente de satisfação em função da melhoria da produtividade / Lealdade / Seguir os modelos de empresas que obtêm sucesso / Contribuição clara para as pessoas / União / Inovação permanente para obter sucesso / Procurar o objetivo sem prejudicar o concorrente / Trabalhar de forma honesta / Não exploração dos funcionários / Boas condições de salários e trabalho / Cliente em primeiro lugar / Estar dentro do mercado / Modernização / Fazer dos funcionários, parceiros; dos seus produtos, os melhores; dos seus clientes, fiéis e satisfeitos / Adaptação do homem mais à função do que às promoções, carreirismos e reconhecimento público.

Vê-se que o homo economicus não sabe a diferença entre ser e dever-ser, ele sofre do mais grave de todos os tipos de analfabetismo: confunde realidade com liberdade.

Tuesday, June 29, 2004

O que, como e por que devo conhecer? ( IV )

O que, como e por que apontam para questões da ordem do ser, do que é; a pergunta filosófico-crítica começa com a idéia de dever ser: o que o ser (que é) deve ser? como devemos conhecer? Por que devemos conhecer? Temos que formular e tentar constantemente responder a estas questões, se quisermos poupar o espírito e a natureza das consequências de não saber o que se deve.

Friday, June 25, 2004

Como posso conhecer? ( III )

Ainda não satisfeito, quis saber qual o plano que cada menino ou menina tinha em mente para atingir seu alvo, o conhecimento. Eis o que responderam:

Prestando atenção em tudo o que me interessa ou o que é necessário para mim. / Buscando informações. / Pesquisando. / Através do interesse. / Através dos cinco sentidos humanos. / Através da força de vontade. / Caminhando em busca dos objetivos propostos, deixando meu “eu” livre para absorver conhecimentos. / Viajando, conversando, nadando, voando, sentindo, olhando, provando, convivendo. / Aceitando minhas limitações, considerando a vida como professora e não como vilã, respeitando quem conhece mais do que eu, sem medo de abrir portas e janelas. / Através dos sentidos, da tecnologia e da imaginação. / Tudo pode me fazer conhecer. / Sobretudo através do contato com outras pessoas que têm outras experiências e vivências. / Através de disciplina, métodos, sentidos e ferramentas, para adquirir conhecimento do todo. / Colocando-me à disposição com a mente aberta. / Meios de comunicação e sentidos, principalmente através da visão. / Através do cotidiano. / Conhecendo-me melhor posso melhor conhecer as pessoas com as quais convivo. / Buscar o conceito das coisa em livros, apostilas, etc. / Através de muitas conversas, interagindo com as pessoas. Vivendo situações. Estando disposta a tudo, desde ouvir a prestar atenção em coisas simplórias. Esforçando-me a ter interesse por todas as coisas e assuntos, mesmo que não tenham nada a ver comigo. / Através de tudo aquilo que o mundo globalizado nos permite acessar, ou seja, a mídia. / Através de conhecimentos já formulados pelo “eu” de outros indivíduos. / Dedicando-me, lendo, estudando, praticando qualquer coisa, trabalhando, namorando, brigando, brincando, amando, festejando, orando, batalhando em cima de algo que me interessa conhecer. / Pensando e raciocinando. Sonhando, amando, odiando, perdendo, ganhando...vivendo. / Através do estudo, da convivência, da idade e da disponibilidade.

Por que será que estes jovens são tratados como idiotas por alguns professores funcionários, quando entram na universidade?

O que posso conhecer? ( II )

Não satisfeito com a enquete anterior, quis saber mais sobre o objeto deste conhecimento tão buscado. Eis o resultado:

Tudo, desde que não seja prejudicial aos outros. / Tudo. / Tudo, desde que interesse a mim ou à coletividade. / Tudo o que quiser. / Pessoas, lugares, objetos, animais, desejos, sentimentos, paisagens, o mar, o céu, cidades, boates, bares, cultura, comida. / A mim mesmo, através das atitudes dos outros. / O que me rodeia e o que existe. Para alguns existem mais coisas do que para outros. O conhecimento não é necessariamente o que se pode tocar. / Tudo o que eu quiser e tiver a oportunidade de ter acesso. / O máximo de publicidade e propaganda. / Posso conhecer muitas coisas novas, mas ao mesmo tempo existe uma barreira que me impede de ir além. / O infinito, o incomensurável. / Muita coisa, mas isso será sempre pouco. / O que há de antigo e o que há de novo, o que já existiu e o que tem existido. / Tudo que eu queira, desde que eu estude, tome conhecimento de um fato. / A minha capacidade. O mundo só é grande para quem expõe suas próprias barreiras. / Tudo o que meu ser me permite. / Pessoas, lugares, situações, eu mesma e minha profissão. O mundo e tudo que nele está integrado e que tem um vínculo, mesmo que seja invisível, comigo. / Para poder agir, pensar e resolver problemas. Para estar preparado nos momentos difíceis. Para sentir que estou vivo e que posso fazer algo pelo mundo e por mim. / Tudo e qualquer coisa, o inimaginável. / Em primeiro lugar a mim mesmo. / Tudo. Posso conhecer Deus e tudo mais que ele fez e colocou tanto aqui na terra, como o que ele ou outro alguém fez fora dela. / O que quiser, desde que conheça a mim mesmo e então saberei o que posso conhecer. / Coisas que me façam sentir melhor ou que traga algum benefício para a pluralidade.

Nestas simples e sinceras respostas, temos condensado o debate entre Kant e os dogmáticos. Enquanto estes acreditavam poder conhecer tudo, aquele impunha limites ao poder da razão. A filosofia nasceu das praças, do cotidiano, do convívio humano; embora muitos pensem que ela não tem nada a dizer sobre o mundo pragmático em que "vivemos", a filosofia ressurge intensamente nas questões e atitudes das crianças e dos jovens de espírito.




Por que quero conhecer? ( I )

Fiz esta pergunta aos calouros de uma universidade, bem no início do ano letivo , e obtive as seguintes respostas:

O conhecimento é a única coisa que ninguém pode tomar de mim. /
Atingir o desconhecido. / Gosto de descobrir e aprofundar tudo que estiver ao meu alcance. / Somente o conhecimento torna o ser humano crítico. / O conhecimento traz o engrandecimento e a liberdade. / Porque estou viva. Quero conhecer tudo o que a vida pode me oferecer pra não ficar perdida no tempo. / Para realizar ações e arcar com suas conseqüências. / Para me relacionar com tudo e com todos sem me sentir ultrapassada ou vazia. / Quero ser alguém importante e ser admirada pelos meus familiares e pelas pessoas ilustres. / Aguça-me ir além do horizonte, é mágico, inovador, criativo : a gente pode transformar sucata em coisa útil. / Para entender quem sou, porque estou aqui, para me sentir melhor, não ser apenas mais um. / Para não se acomodar ao meio, aprendendo com a experiência de outros seres que habitam o mundo. / Para dividir aquilo que passei a saber com outras pessoas. / Porque sou ser humano. / Para concretizar algo que eu queira. / Para não escrever, falar ou agir sem o mínimo de coerência. / Porque odeio monotonia. / Só o conhecimento é capaz de nos distinguir uns dos outros. Os melhores se destacam, brilham, viram referência para muitos, pois possuem um diferencial, o conhecimento. / Sem o conhecimento não se faz nada. / Para me atualizar, ficar por dentro dos assuntos. / Para entender as pessoas, as dificuldades do dia-a-dia, as tristezas, as felicidades. / Porque a escuridão é medonha e traz angústia. E porque eu gostaria muito de responder essas questões com facilidade. / Existir é conhecer. / Explorar as dúvidas. / Porque é lindo e gratificante o processo de descobrir coisas novas. / Talvez por vaidade ou por pura contemplação do saber. / O saber remete ao poder. / O conhecimento é um vício. / No mundo atual quanto mais conhecimento melhor. / Existe a necessidade do desconhecido. / Tenho que ser diferente. / Preenche um vazio que sei que nunca vai acabar. / Conhecer parece trazer bem estar pra mente e para o espírito. / Para mudar meu futuro, não ficar presa nas algemas do presente. / Quero conhecer o sentido da vida, do mundo e do meu eu. / Só utilizamos cinco por cento de nossa capacidade mental. / Para me satisfazer e para me adequar a alguma coisa. / Para conseguir viver melhor no mundo globalizado. / Quero contribuir com a humanidade, para não me enganar a respeito de mim mesma. / Para atingir sucesso emocional e profissional, o ponto mais alto da vida de um ser humano. / Quero conhecer e entender o mundo em que vivo. Poder analisar e assim formar meus conceitos sobre as coisas. / Sem o conhecimento não sou nada, não quero ficar no escuro. / Tudo é feito para ser conhecido, senão a coisa não existiria. / Para ser capaz de construir e progredir. / Para obter novas realizações na vida, viver novas situações. / Para ter opinião e atitude próprias. / Para entender quem sou, porque estou aqui, para me sentir melhor, não ser apenas mais um. / Viver nas costas dos outros não é vida. / Para viver e compreender o mundo de hoje. / Para aprimorar e sustentar meu intelecto. / Gosto do novo e do obscuro. / Quero alcançar o infinito. / Para chegar à ilusão de que conheço muito e ter a certeza de que muito ainda tenho a conhecer. / Para acrescentar algo, não ser mais um na multidão.

Vê-se que a utopia da razão, fundada na relação socrática entre conhecimento e virtude, está viva na mente dos jovens, embora alguns resignados insistam em declarar a morte do pensamento, junto com a morte da universidade pública e democrática.