Monday, June 21, 2010

De lege ferenda

Descumprir regras irracionais faz bem ao indivíduo e à sociedade. Enquanto a desobediência civil, no plano  singular,  e o direito de resistência, no plano particular, são escultores do bom direito, a revolução, no plano universal, é escultora do novo homem.

Wednesday, June 09, 2010

O gosto

Em sua Dialetik auf Aufklärung, Adorno e Horkheimer alertaram-nos para o fato de que a indústria cultural não só contribui para a vulgarização do trabalho dos artistas, mas igualmente para a destruição da razão. Gostar ou não de uma obra, equivale a degustá-la ou não, como se tratasse de um mero produto para consumo imediato. Esqueceu-se que gosto não é o mesmo que paladar e que seu órgão não é a língua, mas o espírito, melhor: a faculdade de julgar, como já o demonstrou Kant em sua terceira Crítica. Não só a arte degenera em entretenimento, mas o próprio entretenimento deixa de entreter, para apenas reafirmar a mediocridade hegemônica.

Nem crente, nem ateu.

O que importa não é se deuses e espíritos desencarnados existem ou não, mas o que eles pensam. Do fato deles existirem, não quer dizer que tenhamos que concordar com eles. Eis a atualização da exigência iluminista de que a religião deve cingir-se aos limites da razão.

The King is dead, long live the King

Os políticos brasileiros e seus amigos que ocupam cargos e funções de confiança na Administração Pública, nas quatro esferas federativas, gozam de toda a proteção para saquear as contas públicas. Esses príncipes e reis tardios, com status de autoridades, são a prova de que nosso país ainda é uma monarquia subdesenvolvida...à espera de sua revolução popular.

Tuesday, June 08, 2010

What can I say?

"Dream is over, what can I say?" Esse verso de Lennon diz pelo que deixa de dizer, como um assombro da espécie humana diante da perda de seus projetos. Como seguir adiante? A filosofia, por ter perdido a voz, está tateando na escuridão, em busca de um ponto de luz que não virá sem a humanização mínima do homem. Se, como disse Bloch, Kant é incontornável, o apelo de Marx, atualizando o de Hegel, tem sua urgência: para que o espírito subjetivo se reconcilie com a natureza é necessário negar-se a si mesmo, para renascer no que se lhe opõe.  

Políticos cientistas

Os comentários políticos que inundam a mídia cingem-se a responder as probabilidades de quem será contemplado na preferência dos eleitores nas urnas. O destaque é para os candidatos e não para a força econômica que eles representam, ou o projeto de país que veiculam objetivamente. Sempre os mesmos cientistas políticos - melhor, políticos cientistas - tentam fazer a população crer que políticos corruptos são modelos de homens públicos a serem seguidos. David Hume já tinha dito que não vale a pena a filosofia se ocupar da política, pois seu único princípio é a própria falta de princípios. Eu diria: também é inútil levar a sério o que dizem os cientistas políticos.

Monday, June 07, 2010

Burkas

Sem querer especular sobre as razões de Sarkozi, a proibição do uso público da Burka na França é coerente com a história da França, que fez uma revolução dos costumes quando os demais países europeus restavam inertes diante da obscuridade monárquico-cristã. Numa era dos extremos como a nossa, é preciso que a humanidade avance, antes que regrida à barbárie. O absolutismo não tem direito à liberdade, a opressão não pode ser livre. A defesa da Burka em nome da democracia é um sofisma cínico, pois traz à baila um argumento voluntarista, quando de vontade não se trata. Em verdade, posa-se de homens virtuosos e liberais à custa da negação absoluta da imagem dos outros, ie, das outras. Os homens-do-meio esqueceram que o justo meio aristótélico também excluía mulheres e crianças: ou seja, estar no meio pode significar estar além ou aquém da dignidade humana, não sendo esse ponto médio da virtude um espaço geométrico, mas tempo histórico. E em nosso tempo a ordem masculina (ou feminina) de que as mulheres nascidas e a nascer devam cobrir-se deve ser rechaçada para sempre, em nome do que deve ser e do que não pôde ter sido. Não é proibido proibir a proibição.

Religião pós-cristã

A leitura do "Traité de l'athéologie" de Michel Onfray me fez pensar na obra do teólogo Leonardo Boff "Igreja, carisma e poder": o ateísmo não é a negação abstrata da religião, mas a superação (entfremdung) da própria religião na direção do que há de mais humano. A religião na era pós-cristã só se justifica na formulação de uma transcendência a partir da imanência, na fé no impossível a partir da miséria humana, na construção do bem a partir do aprendizado da razão com a desrazão: religião como re-ligação dos humanos entre si, para-si e a partir-de-si-mesmo.

Futebol

A passagem do futebol-arte para o futebol-força foi inegavelmente uma perda para o esporte e para o espírito do povo brasileiro: contra a ginga, a finta e o breque, predominou a falta de graça, a burocracia e a violência. Os craques do passado, cada um em sua individualidade, tornaram-se entes metafísicos, utopias inalcançáveis; os atletas do presente, engolfados pelas equipes técnicas, se confundem com as marcas que promovem, participando do reino das trocas universais, em que todos são iguais perante o mercado da bola, sendo toda idiossincrasia punida pela falta de resultado. Melhor ganhar feio, do que perder bonito é o lema da elite que continua corrompendo o espírito público em nosso país, dentro e fora do campo.