Saturday, April 06, 2013

País dos espertos

A escola pública saiu do imaginário brasileiro, bem como o vocábulo biblioteca. Para quem não sabe, biblioteca é o coletivo de livros, dos melhores livros, organizados para consulta, reflexão e crescimento espiritual da comunidade. Eu também achava que isso era o óbvio. No entanto, a Biblioteca Nacional de Brasília foi inaugurada sem livros, o que valeu ao Governador Roriz aplausos entusiasmados dos órgãos de controle. A Biblioteca Nacional do Brasil (no Rio) tem livros, mas estão se  deteriorando e o prédio está literalmente caindo, sob a indiferença do Ministério da Cultura e de seus atentos e preventivos fiscais; ninguém consegue mais entrar (ou permanecer) lá, salvo alguns heroicos fantasmas. Ao mesmo tempo, detentores de altos cargos em nosso país, de poucas escolas e livros (com currículos láteos turbinados com dinheiro público - a título de prêmio por sua habilidade na arte de ajoelhar-se) se orgulham de sua poderosa e reconhecida ignorância (gostam de serem chamados de doutores). E ainda, aos pulos, batem no peito e dizem: "essa turma que estuda demais não têm os pés no chão". É a incultura dos trapaceiros, dos manipuladores de planilhas, dos ladrões do espírito.

Friday, April 05, 2013

Lapso

Após forte ventania, caiu uma árvore na Visconde de Pirajá, uma das ruas mais movimentadas de Ipanema, no Rio de Janeiro. O trânsito parou. Os transeuntes aproveitaram a ocasião para invadir a rua (que era, até então, dos automóveis) e se puseram a fotografar o heroico vegetal que decidira se jogar sobre o surrado asfalto, como que querendo dizer algo para aquelas pessoas não livres, automatizadas pela correria sem volta do dia-a-dia. Em pouco tempo, todos estavam posando para fotos ao lado, à frente ou em cima do grande tronco. Parecia que tinham tomado a bastilha, estavam sorrindo, felizes como crianças. Um homem comentou que morava ali há 50 anos e nunca tinha presenciado aquilo; outro, com sorriso maroto, perguntava por que, em vez de se clicarem, os marmanjos não se juntavam para remover a árvore: via-se que não falava sério, que não queria dar uma de durão, meio que admitindo se render ao canto das sereias. Chegou o Estado, serrou a destemida e a realidade tomou seu rumo. O curioso é que, um dia antes, próximo dali, um homem se jogara de um prédio e se espatifara o coitado. Houve alvoroço, mas ninguém sacou sua máquina fotográfica. Porteiros deram suas mais disparatadas versões, mães esconderam o horror aos filhos e os curiosos garimparam detalhes, tentando adivinhar motivos, sondar causas. O Estado chegou, recolheu o corpo e a vida seguiu. No fluxo determinista da dura sobrevivência, a liberdade só se manifesta como ato falho. Ato falho provocado, no primeiro caso, pela mãe-natureza; no segundo, por um de seus filhos acorrentados. O Estado, no primeiro, foi lixeiro; no segundo, coveiro.