Após forte ventania, caiu uma árvore na Visconde de Pirajá, uma das ruas mais movimentadas de Ipanema, no Rio de Janeiro. O trânsito parou. Os transeuntes aproveitaram a ocasião para invadir a rua (que era, até então, dos automóveis) e se puseram a fotografar o heroico vegetal que decidira se jogar sobre o surrado asfalto, como que querendo dizer algo para aquelas pessoas não livres, automatizadas pela correria sem volta do dia-a-dia. Em pouco tempo, todos estavam posando para fotos ao lado, à frente ou em cima do grande tronco. Parecia que tinham tomado a bastilha, estavam sorrindo, felizes como crianças. Um homem comentou que morava ali há 50 anos e nunca tinha presenciado aquilo; outro, com sorriso maroto, perguntava por que, em vez de se clicarem, os marmanjos não se juntavam para remover a árvore: via-se que não falava sério, que não queria dar uma de durão, meio que admitindo se render ao canto das sereias. Chegou o Estado, serrou a destemida e a realidade tomou seu rumo. O curioso é que, um dia antes, próximo dali, um homem se jogara de um prédio e se espatifara o coitado. Houve alvoroço, mas ninguém sacou sua máquina fotográfica. Porteiros deram suas mais disparatadas versões, mães esconderam o horror aos filhos e os curiosos garimparam detalhes, tentando adivinhar motivos, sondar causas. O Estado chegou, recolheu o corpo e a vida seguiu. No fluxo determinista da dura sobrevivência, a liberdade
só se manifesta como ato falho.
Ato falho provocado, no primeiro caso, pela mãe-natureza; no segundo, por um de seus filhos
acorrentados. O Estado, no primeiro, foi lixeiro; no segundo, coveiro.