Friday, March 11, 2005

O fim da política

No ensaio Das Ende der Politik, Robert Kurz, usando a técnica adorniana do exagero como forma de desvelar a verdade, identifica a democracia como um subsistema da economia de mercado; desfaz a oposição entre democracia e totalitarismo e denuncia o conceito de razão como um conceito meramente decorrente da circulação. Com efeito, para Kurz o fenômeno tão propalado pelas esquerdas contemporâneas da democratização não é mais que "a completa submissão à lógica sem sujeito do dinheiro", o que pode ser demonstrado pela transformação da política em esfera não-ideológica, uma sorte de esfera da eficiência: "não é o antifascismo que está na ordem do dia, mas sim a crítica radical da democracia da economia de mercado".

Desse modo não está a salvação na política, esta, convertida em política econômica, perdeu a capacidade de regulação adquirida nos primeiros tempos do capitalismo, quando se debatia com o mundo pré-moderno. Com o colapso do sistema produtor de mercadorias, substituído pelo capital parasita decorrente da especulação financeira, ou seja, por uma economia de pilhagem, está decretado o fim da própria política. Os papéis se invertem, a mercadoria ocupa seu verdadeiro lugar no sistema, retirando a ênfase funcional da política, concedida apenas estrategicamente no confronto com as sociedades pré-capitalistas. Como já denunciara Marx, no mundo moderno é a economia que, em última instância, barbaramente, controla e determina cum grano salis o funcionamento da política.

Traduzindo bem essa idéia, para Kurz, "como as mercadorias não podem por si ser "sujeitos" e como portanto na relação das mercadorias os indivíduos dessa "socialização a-social" (em si absurda) têm, no entanto, de relacionar-se entre si secundariamente de modo direto, teve de formar-se o subsistema da política, onde são tratadas tais relações diretas secundárias".
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Só não entendo porque Kurz insiste em mitigar as reflexões de Habermas e de Adorno, pois quando afirma que "não há um dualismo por resolver entre dinheiro e poder: o poder só pode ser o "ministro" do dinheiro", está de acordo com Habermas, o qual situa as esferas do poder e do dinheiro como elementos da razão estratégica, obstáculos à razão comunicativa. E quando crítica a ênfase no sujeito, está repetindo a crítica ao princípio da identidade, tão denunciado por Adorno. De qualquer modo, para além das brigas de família da teoria crítica, as análises de Kurz são uma tradução da mensagem de Adorno. Apenas um equívoco, esqueceu de mostrar as contradições do sistema, que poderão fazê-lo explodir: a razão não é somente circulante, serva da roda da fortuna, ela é também ou quer ser comunicativa.

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