Tuesday, July 27, 2004

A sociologia vulgar

A sociologia vulgar traça uma panorâmica pseudo-crítica da sociedade contemporânea, aplicando, para a sua leitura, conceitos marxistas utilizados  de forma didática a partir de situações descritas do cotidiano. É um trabalho escrito para jovens sem a pretensão de entrar na teia complexa de problematizações que envolvem estes conceitos. Talvez, para atender a esta intenção metodológica, o sociólogo vulgar opte pela utilização da dogmática althusseriana, notada no tom estruturalista em que os elementos sociológicos são tratados. Com efeito, identificamos alguns aspectos que demarcam toda a argumentação do sociólogo vulgar, tais como:

a) o conceito de ideologia como falseamento do real;
b) a contraposição da teoria histórico-crítica com a teoria positivista-funcionalista, optando pela primeira;
c) a omissão do conceito de superestrutura;
d) a concepção de aparelhos ideológicos de reprodução da sociedade;
e) a omissão da discussão sobre o Estado.

Alguns problemas podem ser apontados:

a) o sociólogo vulgar assume a teoria da autonomia relativa da superestrutura, criticando o determinismo econômico, ao mesmo tempo em que omite a superestrutura no esquema de análise da sociedade, proposto no capítulo que trata da teoria do modo de produção;
b) o maniqueísmo no tratamento de conceitos como mentira/verdade, opressor/oprimido, positivismo/marxismo, simplificando as análises no estilo dos manuais estalinistas;
c) a identificação do materialismo com a Escola de Moscou, absolvendo filosoficamente a vulgarização a que foi submetida a obra marxiana pela academia soviética.
 
Ora, como ressalta Nicos Poulantzas, em O Estado, o poder e o socialismo, o Estado se apresenta como uma condensação de relações de forças, bem como todas as instâncias de disputa do poder da sociedade. Assim, não podemos identificar simplesmente o Direito com a direita, o Estado com a burguesia, a ideologia com a mentira, a escola com a conservação da alienação, etc. A luta de classes, presente nas relações de produção num primeiro momento, se propaga para outras instâncias adquirindo autonomia ao ponto de sobredeterminar as bases materiais da sociedade.
 
A sociedade capitalista não se sustenta com falsos conceitos ou distorções do real. O operário não continua operário por acreditar que um dia, depois de muito trabalho, também se transformará em patrão. Continua operário porque o Estado tem o monopólio da violência legítima - como percebera Weber - e esta está presente nas relações de produção estabelecidas na fábrica. Este operário tem uma visão de mundo que, na medida em que se torna orgânica, passa a estar presente também nos aparelhos de disputa do poder na sociedade. Ele também é responsável pela sociedade que o oprime, pois está presente na escola, no Estado-administração, na Igreja, no sindicato, na cooperativa, na fábrica, no campo, em todos os lugares em que o capitalismo se move.

Antônio Gramsci desenvolve um tratamento especial para o conceito de superestrutura, situando nela não o Estado, como queria Marx, mas a própria sociedade civil, o lugar da disputa pela hegemonia de um corpo de idéias que passa a paradigmatizar uma época social dominada por um modo específico de vida. Luta de idéias com estudos sérios e produção científica consistente são os ingredientes indispensáveis para a formação de intelectuais orgânicos de uma classe que pretenda demarcar uma nova era social. Já passamos, felizmente, da fase dos manuais de ciências sociais que tem marcado tanto a história de nossa consciência, eclipsando a diferença epistemológica entre as ciências naturais e as ciências sociais. Esta tem  estatuto epistemológico próprio, com linguagem, método e objeto bem delimitados, a ponto de ser alçada, diante da crise daquela, à condição de ciência por excelência, como já o demonstrara Boaventura de Souza Santos.

O sociólogo vulgar passa ao largo destas questões, apesar da enésima reedição de seu manual, e aponta apressadamente para a força da utopia e da esperança como uma sorte de apelo aos jovens. Aqui, talvez, desponte a vertente cristã dessa sociologia, que convoca a juventude para a luta, para a realização de seus sonhos diante de uma sociedade envolvida em pecados, em injustiças e mentiras que favorecem os opressores em detrimento dos oprimidos. Sem dúvida, uma abordagem bem intencionada, mas carregada de vícios que podem frustrar um encontro responsável dos jovens com a especulação, sem simplificações e maniqueísmos.

1 Comments:

At 2:47 PM, Anonymous Anonymous said...

Aprendi muito

 

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