Wednesday, July 28, 2004

O liberalismo de John Rawls

Sua Teoria da justiça é uma tentativa de obter os mesmos resultados que Kant obteve em sua teoria moral. Os mesmos resultados por caminhos diferenciados. Se Kant parte do imperativo categórico para estabelecer o dever ser das condutas humanas, fundando o agir moral na necessidade, universalidade e autonomia, Rawls, com o mesmo intuito, parte do imperativo hipotético. Se Kant aposta numa racionalidade dos fins, Rawls aposta numa racionalidade dos meios, de modo que estes atinjam aqueles mesmos fins. Na verdade a tentativa de Rawls é de  prescindir da metafísica kantiana para a formulação de seus princípios de justiça, projetando o agir moral para a sociedade através da noção de contrato. Rawls imagina que numa situação inicial de contrato, onde as partes ignorem suas posições relevantes na sociedade, bem como sua riqueza, força, inteligência, etc., mantendo apenas um conhecimento mínimo e geral sobre política, economia, regras de justiça, seja possível a escolha racional de princípios de justiça sem que as partes sacrifiquem suas inclinações ou interesses particulares. Rawls não exige que os sujeitos morais, na posição original, deixem seu egoísmo de lado. Pelo contrário, pressupõe  partes egoístas e mutuamente indiferentes na situação inicial. Como visto acima, não se trata de qualquer situação inicial, mas daquele status quo ante   delimitado por um contexto de justiça, limitações formais, relativa ignorância e uma magra racionalidade. A Teoria da justiça demonstra, dedutivamente, que as cláusulas desse pacto atenderão às mesmas exigências estabelecidas a priori pela filosofia prática de Kant. No entanto, tais cláusulas se destinam a regular as liberdades fundamentais e a estrutura básica da sociedade e não todo o universo das condutas morais. Nesse sentido é que a Teoria da justiça não é uma concepção de bem, mas do justo. É uma teoria deontológica, “o que significa [...] que  não interpreta o conceito de justo como maximização do de bem.” (Idem, p. 46). Se Kant não admite que o dever se subordine à felicidade, Rawls não admite que a política se subordine à economia. Ambos rechaçam todas as formas de utilitarismo.

No entanto, Rawls comete um equívoco ao identificar seus princípios de justiça com intuições morais contemporâneas. Não creio que a formulação serial dos princípios da liberdade e igualdade seja adequada para dar conta das  “intuições morais” da atualidade. Outrossim, considero uma perversidade transformar as diferenças sociais e econômicas em princípio, mesmo que  elas sejam condicionadas à melhoria da situação dos menos privilegiados, que teriam o poder de veto. Nossas intuições apontam para a fusão desses princípios num só, a saber, o princípio da liberdade e igualdade de todos. Aqui está implícito o reconhecimento das diferenças, não de diferenças materiais (sociais e econômicas). O intuitivo é que devamos ser tão iguais quanto livres. A desigualdade deve ser a exceção e não a regra ou o princípio. Definitivamente não há desigualdades sociais e econômicas justas. Não há porque não houve nos primórdios da história humana e ainda não há em comunidades indígenas de nosso tempo; e se não houve e não há, não tem porque acreditarmos que haverá ou deverá haver, simplesmente porque o capitalismo não sobrevive sem elas. O onus probandi é de quem alega a injustiça social, a desigualdade entre classes e grupos e não de quem defende a livre igualdade: in dubio pro equalitas.

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